quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

STF RECONHECE DIREITO DO ADVOGADO A PRISÃO DOMICILIAR

DECISÃO: Trata-se de reclamação em que se sustenta que o
ato ora questionado – emanado do E. Superior Tribunal Justiça
(HC 106.782/MG) – teria desrespeitado a autoridade da decisão que o
Supremo Tribunal Federal proferiu no julgamento da ADI 1.127/DF, no
qual se reconheceu a plena validade constitucional do art. 7º,
inciso V, “in fine”, da Lei nº 8.906/94.
O eminente Relator do HC 106.782/MG, no E. Superior
Tribunal de Justiça, ao denegar medida cautelar postulada em favor
da ora reclamante, invocando, como um de seus fundamentos, a
ausência de plausibilidade jurídica do pedido (fls. 17), claramente
desrespeitou a autoridade da decisão que esta Suprema Corte proferiu
no julgamento invocado como paradigma de confronto.
Presente esse contexto, entendo que se impõe reafirmar, em
favor da ora reclamante, a prerrogativa que lhe confere o ordenamento
positivo nacional, que prevê, tratando-se de Advogado – e desde que
não haja “sala de Estado-Maior” -, o direito à prisão domiciliar, até
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que sobrevenha o trânsito em julgado de eventual sentença condenatória
(Lei nº 8.906/94, art. 7º, V, “in fine”).
Essa prerrogativa legal inclusive no que concerne ao
recolhimento a prisão domiciliar – tem sido garantida pelo Supremo
Tribunal Federal, quer antes do advento da Lei nº 10.258/2001
(RTJ 169/271-274, Rel. Min. CELSO DE MELLO), quer após a edição desse
mesmo diploma legislativo (RTJ 184/640, Rel. p/ o acórdão Min.
MAURÍCIO CORRÊA).
Cabe registrar, neste ponto, por extremamente relevante, que
o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o mérito da
ADI 1.127/DF, Rel. p/ o acórdão Min. RICARDO LEWANDOWSKI (acórdão-
-paradigma, cuja transgressão está sendo argüida na presente
reclamação), entendeu subsistente a norma consubstanciada no inciso V
do art. 7º da Lei nº 8.906/94 (ressalvada, unicamente, por
inconstitucional, a expressão assim reconhecidas pela OABinscrita
em tal preceito normativo), enfatizando, então, em referido julgamento
plenário, após rejeitar questão prejudicial nele suscitada, que é
inaplicável, aos Advogados, em tema de prisão cautelar, a
Lei nº 10.258/2001.
Esta Suprema Corte, ao proceder ao exame comparativo entre
a Lei nº 10.258/2001 e a Lei nº 8.906/94 (art. 7º, V), reconheceu,
nesse cotejo, a existência de uma típica situação configuradora de
antinomia em sentido próprio, eminentemente solúvel, porque
superável mediante utilização, na espécie, do critério da
especialidade (“lex specialis derogat generali”), cuja incidência,
no caso, tem a virtude de viabilizar a preservação da essencial
coerência, integridade e unidade sistêmica do ordenamento positivo
(RTJ 172/226-227, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.):
ADVOGADO – CONDENAÇÃO PENAL MERAMENTE RECORRÍVEL –
PRISÃO CAUTELAR RECOLHIMENTO A ‘SALA DE ESTADO-MAIOR’ ATÉ
O TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA -
PRERROGATIVA PROFISSIONAL ASSEGURADA PELA LEI Nº 8.906/94
(ESTATUTO DA ADVOCACIA, ART. 7º, V) – INEXISTÊNCIA, NO
LOCAL DO RECOLHIMENTO PRISIONAL, DE DEPENDÊNCIA QUE SE
QUALIFIQUE COMO ‘SALA DE ESTADO-MAIOR’ – HIPÓTESE EM QUE SE
ASSEGURA, AO ADVOGADO, O RECOLHIMENTO ‘EM PRISÃO
DOMICILIAR’ (ESTATUTO DA ADVOCACIA, ART. 7º, V, ‘IN FINE’) –
SUPERVENIÊNCIA DA LEI Nº 10.258/2001 - INAPLICABILIDADE
DESSE NOVO DIPLOMA LEGISLATIVO AOS ADVOGADOS - EXISTÊNCIA,
NO CASO, DE ANTINOMIA SOLÚVEL - SUPERAÇÃO DA SITUAÇÃO DE
CONFLITO MEDIANTE UTILIZAÇÃO DO CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE -
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PREVALÊNCIA DO ESTATUTO DA ADVOCACIA CONFIRMAÇÃO DAS
MEDIDAS LIMINARES ANTERIORMENTE DEFERIDAS – PEDIDO DE
‘HABEAS CORPUS’ DEFERIDO. (...).
(HC 88.702/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma)
Ao assim decidir, notadamente no julgamento que constitui o
paradigma de confronto (ADI 1.127/DF), cuja invocação legitima a
utilização da presente via reclamatória, o Supremo Tribunal Federal
teve presente - dentre outras lições expendidas por eminentes
autores (HUGO DE BRITO MACHADO, “Introdução ao Estudo do Direito”,
p. 164/166 e 168, itens ns. 1.2, 1.3 e 1.6, 2ª ed., 2004, Atlas;
MARIA HELENA DINIZ, “Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro
Interpretada”, p. 67/69, item n. 4, e p. 72/75, item n. 7, 1994,
Saraiva; ROBERTO CARLOS BATISTA, “Antinomias Jurídicas e Critérios
de Resolução”, “in” Revista de Doutrina e Jurisprudência-TJDF/T,
vol. 58/25-38, 32-34, 1998; RAFAEL MARINANGELO, “Critérios para
Solução de Antinomias do Ordenamento Jurídico”, “in” Revista do
Instituto dos Advogados de São Paulo, vol. 15/216-240, 232-233,
2005, RT, v.g) - o magistério, sempre lúcido e autorizado, de
NORBERTO BOBBIO (“Teoria do Ordenamento Jurídico”, p. 91/92 e 95/97,
item n. 5, trad. Cláudio de Cicco/Maria Celeste C. J. Santos, 1989,
Polis/Editora UnB), para quem, na perspectiva sugerida pelo contexto
ora em exame, e ocorrendo situação de conflito entre normas
(aparentemente) incompatíveis, deve prevalecer, por efeito do
critério da especialidade, o diploma estatal (o Estatuto da
Advocacia, no caso) “que subtrai, de uma norma, uma parte de sua
matéria, para submetê-la a uma regulamentação diferente (contrária ou
contraditória)...” (grifei).
Vale relembrar, por oportuno, que o Plenário do Supremo
Tribunal Federal, no julgamento da Rcl 4.535/ES, Rel. Min. SEPÚLVEDA
PERTENCE - tendo presente a orientação firmada na mencionada
ADI 1.127/DF -, assegurou, a determinado advogado que havia sofrido
prisão cautelar, o direito de ser recolhido a prisão domiciliar, em
virtude da comprovada ausência, no local, de sala de Estado-Maior,
por entender que o ato judicial objeto de tal reclamação transgredia
a autoridade do pronunciamento desta Suprema Corte naquele processo
de fiscalização normativa abstrata, que declarou subsistente o
inciso V do art. 7º do Estatuto da Advocacia, em face da
superveniente edição da Lei nº 10.258/2001.
Mostra-se importante assinalar, neste ponto, que essa
orientação tem sido observada no âmbito desta Suprema Corte
(Rcl 5.212/SP, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA - Rcl 5.161/ES, Rel.
Min. RICARDO LEWANDOWSKI).
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Sendo assim, pelas razões expostas, julgo procedente a
presente reclamação, tornando definitiva a medida cautelar
anteriormente deferida, em ordem a garantir, à ora reclamante, a sua
permanência em prisão domiciliar (Lei nº 8.906/94, art. 7º, V, “in
fine”), até o trânsito em julgado de eventual condenação penal que
lhe venha a ser imposta nos autos do Processo-crime nº 002407521716-6.
Comunique-se, transmitindo-se cópia da presente decisão ao
E. Superior Tribunal de Justiça (HC 106.782/MG), ao E. Tribunal de
Justiça do Estado de Minas Gerais (HC 1.0000.07.463341-3/000) e ao
MM. Juiz de Direito da 1ª Vara de Tóxicos da comarca de Belo
Horizonte/MG (Processo-crime nº 002407521716-6).
Arquivem-se os presentes autos.
Publique-se.
Brasília, 11 de dezembro de 2009.
Ministro CELSO DE MELLO
Relator

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